Especialistas afirmam que canções de cunho apelativo induzem comportamento inadequado para algumas faixas etáriasÉ comum vermos crianças cada vez mais novas cantando e dançando ao som de refrões carregados de sexualidade, utilizando roupas e calçados impróprios para essa fase. As músicas erotizadas se tornam febre entre meninos e meninas em todo o país, mesmo sem muitas vezes terem conhecimento do que estejam ouvindo ou dançando. Mas qual a influência dessas músicas no desenvolvimento da criança? De que modo a letra de uma canção pode influenciar o comportamento infantil?
Para a psicóloga Aline Maciel, músicas de cunho apelativo com letras que tratem de sexo estimulam a iniciação sexual precoce entre meninos e meninas. Segundo ela, “músicas com uma carga sexual muito forte aliadas a coreografias sensuais fazem com que as crianças tenham acesso a elementos que não são adequados a sua faixa etária, induzindo comportamentos inadequados”.
O artigo A música e o Desenvolvimento da Criança, de autoria da Doutora em Educação Monique Andries Nogueira, atesta que a música tem um papel importante nos aspectos afetivo e social de meninos e meninas desde a primeira infância, período que vai do nascimento aos seis anos de idade. Além disso, ela funciona como meio de inserção e identificação cultural entre elas.
Entretanto letras e danças erotizadas fazem com a sexualidade, entendida como elemento presente em todos os estágios de desenvolvimento do indivíduo, se volte para o sensual, o erótico e o excitante, quando deveria ser canalizada para a construção das emoções, das relações sociais, da experimentação de papéis e do desenvolvimento da afetividade.
O acesso precoce a esse tipo de produto cultural faz com que a criança deixe de vivenciar a infância e aquilo que é próprio da fase, que é o brincar. Com a banalização do sexo, a percepção da criança é alterada. “A criança começa lidar com a sexualização do corpo sem o devido entendimento de como isso deve ser tratado”, explica Aline Maciel.
O resultado disso é o adiantamento do primeiro contato com a sexualidade, que deve acontecer na pré-puberdade, a partir do onze anos de idade. “A criança sofre uma pressão da sociedade, antecipando todo o seu processo sexual e vivendo a sua sexualidade sem inteireza e maturidade”, opina Aline Maciel. Para ela, as crianças se tornam erotizadas e em especial as meninas, que passam a ver o corpo como entidade de prazer, consumo e status social.
Imagem da mulher - Várias músicas distorcem a imagem da mulher ao utilizarem expressões como “cachorra”, “potranca”, “Maria-gasolina” e “piriguete”, que reforçam o estigma da mulher como objeto sexual e do corpo com valor de troca, denegrindo sua imagem. Esse tipo de produção afeta diretamente o desenvolvimento das meninas. “As mulheres quando dançam as coreografias carregadas em sensualidade atraem a atenção dos homens. Então, as meninas passam a se preocupar também em atrair os meninos, o que é impróprio para a infância”, comenta Aline Maciel.
Uma das decorrências disso, é o aumento dos índices de gravidez na adolescência e dos casos de abuso e violência sexual. De acordo com as estatísticas do Registro Civil, divulgadas em dezembro do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de partos em mães adolescentes em Sergipe representou 21,53% do total de nascimentos em 2006. Com a gravidez precoce, várias etapas do desenvolvimento são queimadas. Com a responsabilidade de uma vida nova para cuidar, muitas vezes a primeira conseqüência é o abandono dos estudos.
Com a precocidade da sexualidade da infância, os casos de abuso e exploração sexual tendem a aumentam. Em Sergipe, até setembro de 2007, a Maternidade Hildete Falcão, onde são realizadas perícias de casos desse tipo, realizou 150 atendimentos a vítimas. Os Conselhos Tutelares também registram frequentemente casos de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em Aracaju. Somente em 2006, foram registradas 23 ocorrências.
Um outro agravante a essa questão é o fato dos pais aprovarem que os filhos escutem músicas e dancem coreografias com sentido dúbio e sensual. “Quando os pais acham bonitinho que suas filhas usem aquele tipo de roupa e dancem essas músicas, eles estão contribuindo para a precocidade do sexo e o adultecer da criança”, esclarece a psicóloga.
Papel dos pais e da escola - O contato da criança com músicas que estimulam o erotismo e a
sexualidade deve ser acompanhado pelos pais. “Os pais devem conversar com os filhos, fazendo com que eles reflitam sobre o conteúdo das músicas. Para que eles entendam que aquele tipo de música não é legal”, destaca Maciel.
Levar a criança a ter acesso a outros tipos de música, de cunho criativo, reflexivo e ao mesmo tempo divertido é um outro caminho possível na hora de reeducar os filhos musicalmente. Segundo Aline Maciel, “é necessário uma contrapartida dos pais ao se envolverem com os filhos e apresentarem a eles um tipo de música adequado”.
Além dos pais, a escola também tem papel fundamental na conscientização das crianças. “A escola precisa oferecer à criança um tipo de música diferente daquele que é tocado nas rádios e na TV”, reforça a psicóloga. O projeto pedagógico e o professor em sala de aula precisam desenvolver no aluno a capacidade de crítica e reflexão sobre o tema da sexualidade.
Contudo a psicóloga alerta que cabe aos pais escolherem a escola mais adequada e cobrar dela o cumprimento do projeto educacional apresentado, acompanhando as atividades desempenhadas e conversando com seus filhos.
A erotização da mídia - A música está presente em programas de TV, em anúncios publicitários, em filmes e em outros produtos de mídia. É muito utilizada como meio de estímulo ao consumismo e a violência. Mas ainda são as músicas que tratam de sexo, relacionamentos amorosos, traição e outros temas relacionados que mais prejudicam as crianças. Para a pesquisadora Maria José Subtil, no artigo Mídias e Música: a construção social da noção de infância, “da parte da mídia, o reforço a uma visão erotizada das crianças cria uma espécie de mal-estar em "ser infantil" e acentua nessas crianças manifestações miniaturizadas de características dos adultos”.
Ética e Legislação - A veiculação de músicas e danças na TV que explorem a sexualidade fere o Código de Ética da Radiodifusão Brasileira que determina, no Capítulo II, artigo 15, que “as emissoras de rádio e televisão não apresentarão músicas cujas letras sejam nitidamente pornográficas”.
O artigo 71 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura que “a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de desenvolvimento”, ao passo que o artigo 59 prevê que “os municípios, com o apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos para espaços e programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”.
Além disso, o ECA responsabiliza o poder público pela regulamentação de espetáculos públicos, entre eles shows musicais, informando as faixas etárias de acesso a que não se recomendam, além de locais e horários inadequados para a sua realização (Art. 74).
Desenvolvimento saudável - A música também contribui positivamente para o desenvolvimento da criança, quando empregada em contexto adequado. De acordo com a psicóloga Aline Maciel, “a música desenvolve a percepção, a concentração, a observação e a criatividade da criança”.
Ao mesmo tempo em que a música possibilita essa diversidade de estímulos, ela pode estimular também a absorção de informações e a aprendizagem, principalmente no campo do raciocínio lógico, da memória, do espaço e do raciocínio abstrato. A especialista ressalta que essas características são desenvolvidas “dentro de melodias suaves, de construções harmônicas adequadas e letras construtivas”.
A pesquisadora Monique Andries Nogueira afirma que a música também traz efeitos muito significativos no campo da maturação social da criança. É por meio do repertório musical que a criança se inicia como membros de um grupo social. Além disso, a música também é importante do ponto de vista da maturação individual, isto é, do aprendizado das regras sociais por parte da criança.